Acordo Mercosul-União Europeia acende sinal de alerta ao Brasil

Foto: Marcos Oliveira/Agência Senado

A Federação Única dos Petroleiros (FUP), por meio de sua área de assuntos internacionais, acompanha com atenção as sucessivas rodadas de negociações do acordo Mercosul-União Europeia e observa um sinal de alerta que se acende do lado brasileiro.

A análise objetiva das regras em discussão entre as partes revela graves ameaças ao desenvolvimento autônomo do Brasil, que vão além de questões ambientais e compras governamentais. Suas normativas determinam, por exemplo, que empresas estatais ajam exclusivamente de acordo com aspectos comerciais em suas compras ou vendas de bens ou serviços.

Essa limitação pode cercear políticas de preço e de conteúdo local nas compras realizadas por empresas estatais e constranger decisões de investimentos que não obedeçam a uma razão estritamente mercadológica, categorias nas quais se incluiriam as políticas de desenvolvimento regional ou programas de capacitação de fornecedores. Além disso, as regras do capítulo sobre estatais estipulam ampla margem de questionamento em relação às atividades comerciais de empresa estatal de uma parte, sempre que outra parte se sinta prejudicada.

Não à toa, o acordo Mercosul-UE já tomou 20 anos de negociações. O longo período revela a complexidade do tema e mostra que os interesses de lado a lado não eram conciliáveis. Foi preciso uma conjuntura política muito específica para que se precipitasse um consenso entre as partes, com Bolsonaro no Brasil e Macri na Argentina.

A irresponsabilidade do governo Bolsonaro em relação a esse tema fica patente quando se observa que o governo argentino, ainda que então chefiado pelo neoliberal Mauricio Macri, excluiu do alcance do acordo empresas estatais estratégicas do país, como Nucleoeléctrica Argentina S.A.; Soluciones Satelitales S.A.; Integración Energética Argentina S.A; e Banco de Inversiones y Comercio Exterior S.A. (o BNDES argentino).

O Brasil simplesmente não fez nenhuma reserva, não excluiu nenhuma de suas empresas do acordo. Enquanto isso, há indicações de que o governo de Alberto Fernández, mesmo estando no final de seu mandato, deverá retirar mais uma estatal argentina das tratativas: a YPF, a Petrobras deles.

Como em qualquer tratado dessa natureza, firmado entre blocos de países, as regras que o constituem formam um todo coerente. Os capítulos do acordo Mercosul–UE se comunicam entre si. Se de um lado empresas estatais são obrigadas, em suas atividades comerciais, se guiar apenas por práticas de mercado, de outro, quando se analisa o capítulo de bens, percebe-se que o acordo promove ampla liberalização tarifária.

Mais de 90% do comércio de bens entre as duas regiões terá o imposto de importação reduzido a zero, o que inclui o setor de máquinas e equipamentos. Dado que esse universo abarca as cadeias mais importantes dos setores de petróleo e gás e de energia de maneira geral, o acordo comprometeria a participação da indústria nacional na reindustrialização do país, com sérias consequências sobre a criação de emprego e renda.

A média do imposto de importação do Brasil para bens industrializados, consolidada na OMC (Organização Mundial do Comércio), é de 15,21%. A União Europeia, por sua vez, aplica imposto de importação médio de 1,8%. Ou seja, um patamar já bastante baixo, de modo que sua eliminação seria insuficiente para que o Brasil passasse a exportar produtos industrializados para uma economia altamente sofisticada – compreensão reforçada por vários estudos de impacto, que mostram a retração da indústria brasileira como resultado do acordo. O desequilíbrio é latente. Se o tratado vier a ser confirmado, o Mercosul conferirá larga vantagem aos industriais europeus.

Num contexto em que o fosso de competitividade aberto entre países desenvolvidos e em desenvolvimento apenas se aprofunda – em função dos ambiciosos planos industriais norte-americanos e europeus, na casa dos trilhões de dólares –, fica evidente a vulnerabilidade da posição brasileira. Na ausência do poder financeiro daqueles países, o Brasil tem na administração de seu comércio exterior e na mobilização de suas estatais instrumentos preciosos de desenvolvimento econômico.

É preocupante, portanto, que o governo do presidente Lula ainda não tenha tomado a decisão de afastar as estatais brasileiras, sobretudo a Petrobras, de mais essa ameaça ao desenvolvimento do Brasil. É preciso evitar que o acordo, em fase de negociação, caminhe inteiramente para a convergência das regras do Mercosul em direção às regras dos europeus.

O acordo Mercosul-União Europeia é de amplo espectro. Alcança várias dimensões da vida nacional dos países envolvidos. E não seria o 1º acordo do gênero na América Latina. A UE já tem acordos econômico-comerciais com vários países da região. Merecem destaque aqueles assinados com Chile, Colômbia e México, em vigor há mais de uma década.

Nesse período, no entanto, Chile e Colômbia só se firmaram como exportadores de commodities. Hoje, o governo colombiano pleiteia a revisão do acordo, com o objetivo de reequilibrá-lo. O México, lamentavelmente, se tornou mais centro logístico do que produtivo. A multiplicação de acordos de livre comércio do país o transformou na maior ‘maquila’ regional, exportando o resultado da junção de partes importadas.

Não surpreende que Colômbia, Chile e México, países com ampla rede de acordos comerciais e integrantes da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) não tenham testemunhado alteração expressiva de seu desempenho em termos de progresso tecnológico, elemento-chave de qualquer trajetória de desenvolvimento. Nesse quesito, o Brasil lidera na América Latina, de acordo com a Organização Mundial de Propriedade Intelectual.

É preciso, portanto, ficar alerta e evitar que um acordo desequilibrado entre Mercosul-UE emperre o desenvolvimento do Brasil.

 

* Deyvid Bacelar é coordenador geral da Federação Única dos Petroleiros (FUP).

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