Motoristas de aplicativos têm proteção real sob o governo Lula?

por Veredas IE
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O projeto de lei assinado pelo governo Lula em prol dos motoristas de aplicativo aparece em um momento de necessidade de proteção dos trabalhadores frente às novas modalidades de trabalho. Porém, não é suficiente em sua defesa.

"A questão aqui reside na pergunta: esses trabalhadores são autônomos ou não?" - Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil.

“A questão aqui reside na pergunta: esses trabalhadores são autônomos ou não?” – Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil.

Alguns pontos do PL são positivos: o estabelecimento de um valor mínimo de pagamento por hora “logada”; a contribuição à Previdência, principalmente por parte das empresas; criação de um sindicato da categoria; conhecimento das regras de oferta das viagens. Eles demonstram uma direção em como o Estado lidará com novas formas de trabalho.

Outros pontos, contudo, são consideravelmente problemáticos. O principal, sem dúvida, é o reconhecimento legal dos motoristas de aplicativos como autônomos, o que retira esses trabalhadores do guarda-chuva constitucional de proteção extensa de direitos e garantias sociais, previsto no artigo 7°. Assim, perdem direito às férias, ao décimo terceiro, ao descanso semanal remunerado, entre outros.

A questão aqui reside na pergunta: esses trabalhadores são autônomos ou não? Por um lado, eles podem escolher o vínculo com os aplicativos ou não; se irão atender aquela corrida ou não; em qual horário irão trabalhar e de que modo.

Entretanto, é preciso apontar como essa autonomia é aparente: a partir de determinada quantidade de corridas recusadas seguidamente, ou dias “deslogados”, o aplicativo “pune” o trabalhador, mostrando corridas com trajetos que pagam pior, de usuários com mais reclamações e locais mais inacessíveis. Ora, então, a liberalidade inicial do trabalhador começa a ser limitada.

Com um olhar mais atento, pode-se notar vários elementos que configuram na realidade uma subordinação do trabalhador ao aplicativo: os aplicativos que determinam unilateralmente o valor de cada corrida; também determinam o trajeto a ser percorrido; têm armazenado cada local que o trabalhador passou, cada horário que passou ativo, cada tempo de cada corrida e o valor recebido; determinam até mesmo as gorjetas; realizam descontos nos ganhos, caso o trabalhador receba em dinheiro; determinam todas as regras que os motoristas têm que obedecer, sob pena de expulsão do aplicativo, como uma nota avaliativa acima de determinado padrão.

Os aplicativos utilizam-se do preço dinâmico, mandando alertas aos motoristas, para estimular sua saída de casa e entrada no aplicativo, assim, mantendo o preço da corrida mais baixo, o que demanda mais tempo de labor para atingir um valor suficiente para sobreviver.

Desse modo, a autonomia prevista no projeto de lei é maléfica aos trabalhadores, retirando-os da proteção constitucional do art. 7°, ainda que não seja uma autonomia real. E embora esse seja o problema principal, ainda há outros no PL.

Uma jornada de 12 horas diárias não é apenas desumana como inconstitucional, já que o limite previsto na norma maior é 8 horas diárias prorrogáveis por mais 2 horas. Além disso, o trabalhador poderá ficar 8 horas “logado” em um aplicativo, depois de atingir o limite máximo, apenas mudar de aplicativo e passar mais horas trabalhando.

O PL coloca, como jornada máxima, que o trabalhador possa ficar logado por 8 horas diárias em um aplicativo, podendo ser estendida até 12 horas, mediante previsão em Acordo Coletivo de Trabalho (ACT) ou Convenção Coletiva de Trabalho (CCT). Uma jornada de 12 horas diárias não é apenas desumana como inconstitucional, já que o limite previsto na norma maior é 8 horas diárias prorrogáveis por mais 2 horas. Além disso, o trabalhador poderá ficar 8 horas “logado” em um aplicativo, depois de atingir o limite máximo, apenas mudar de aplicativo e passar mais horas trabalhando. Não houve, realmente, uma limitação de jornada, o que é essencial para garantir o descanso de qualquer indivíduo.

Ainda há outros pontos em que o PL se omitiu, por exemplo: o trabalho em horário noturno (22 horas – 5 horas) terá a mesma remuneração do diário? A jornada além das 8 horas, caso prevista em ACT/CCT, terá adicional como a jornada extraordinária? Em caso de acidente, os custos com o veículo serão exclusivos do trabalhador? A plataforma ajudará ele em pelo menos 15 dias, ou tudo recairá na Previdência Social? Os motoristas de “motouber” terão direito à periculosidade?

O PL assinado pelo governo é uma proposta inicial, mas que não é suficiente para frear a ‘superexploração’ dos motoristas de aplicativo. A maior prova é o elogio da empresa Uber à proposta. Em meio aos pontos problemáticos e as omissões, o lado positivo do projeto deixa a desejar.

Por fim, importa notarmos que vivemos em um momento de retirada e mitigação de direitos e garantias sociais, desde 2016. Temos um Congresso conservador, com uma direita super representada e um STF afeito a decisões contra o trabalhador. Nesse sentido, a expectativa após a eventual aprovação do PL é de retirada dos direitos ali inseridos, e não da ampliação.

Assim, ainda temos muito chão para percorrer e muita luta para lutar.

Por Gabriel Trovão, Advogado e pesquisador da área trabalhista

** Artigo publicado no site Brasil de Fato em 09/03/2024

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