Regulação e redução da jornada de trabalho

Regular e reduzir a jornada de trabalho são lutas prioritárias nesta terceira década do século XXI. Mas, se apresentam de forma mais complexa, mais abrangente, do que as históricas lutas pela redução da jornada no final do século XIX e início do XX. Mais de um século se passou desde que os princípios da jornada de 48 horas semanais foram adotados pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) (1919) e 85 anos desde que a jornada de 40 horas passou a ser considerada.

Em 1935, a Convenção da OIT n.º 47 estabeleceu um novo padrão de semana de trabalho de 40 horas. A convenção do descanso semanal na indústria, em 1921; no comércio e escritórios, em 1957, depois das quais foram adotadas as convenções relativas ao trabalho noturno e às férias remuneradas. Ainda, em 1958, constava das decisões da OIT a adoção da jornada de 8 hora diárias dentre suas prioridades.

Desde então, houve um extraordinário desenvolvimento das forças produtivas, puxado pela industrialização e pelos avanços tecnológicos, destacando-se neste século, os relativos à Indústria 4.0, internet das coisas, Big Data, Inteligência Artificial, telemática e robótica. Entretanto, estes avanços não foram acompanhados da redução da jornada de trabalho para seis horas diárias, prevista por John Kaynes na década de 1930.

Pelo contrário, as regulações efetivadas no período da modernidade sólida, quando o trabalho era por tempo indeterminado e os casamentos até que a morte os separe, têm sido substituídas por desregulamentações e flexibilizações no período da modernidade líquida, na qual milhares de trabalhadores sucumbem em um ambiente de alta vulnerabilidade e fluidez; e tantos outros sobrevivem em ambientes dominados pela incerteza, instabilidade e insegurança no trabalho e na vida, um estado temporário e frágil das relações sociais e dos laços humanos (Zygmunt Bauman).

As lutas produziram avanços em grande número de países, que reduziram gradualmente a jornada para 40 horas semanais. Processo interrompido com a nova onda neoliberal e o ascenso das forças políticas de direita e extrema direita no mundo. Desregulamentações e flexibilizações acompanharam o intenso processo de terceirização, fragmentação e pulverização do trabalho e das organizações sindicais.

Reverter este processo e recuperar direitos perdidos têm sido prioridade das lutas sindicais nesta década. A jornada, como parte do clássico tripé da exploração capitalista, é pilar essencial do que se pode chamar de exploração intensificada, que se prolifera em um sistema de produção, comercialização e distribuição organizado em cadeias mundiais, que impõem desvantagens competitivas às empresas nacionais e locais, com alto impacto nos empregos, remuneração e jornada.

No Brasil, esta situação se agrava e se alastra em ambientes onde ainda se encontram vestígios de trabalho escravo. Onde se difunde a ideologia da prosperidade, da meritocracia e do individualismo. Apesar de estabelecidas na legislação, na prática, as jornadas são raramente cumpridas. Sob permanente pressão e assediados para que as metas sejam atingidas, os trabalhadores e trabalhadoras se sentem forçados a estender a jornada e intensificar o ritmo de trabalho.

No Congresso Nacional tramitam diversas proposições relativas à jornada de trabalho. Dentre elas o PL 342/2003 que trata da remuneração e jornada de trabalho, estabelece normas e critérios para o estabelecimento da jornada, jornada extraordinária, trabalho noturno e trabalho aos domingos; fixando novos valores para hora-extra, cálculo do salário-hora, salário-dia e períodos de descanso. Como este existem muitos outros, que liberam o trabalho aos domingos e feriados no comércio e nos bancos. Na Comissão de Trabalho da Câmara dos Deputados tramita o PL 8112/2017 e inúmeros apensados, que tratam da revisão dos retrocessos da reforma trabalhista.

Apesar da modernização da sociedade, crescem a precarização das relações de trabalho. Esta é uma situação que se faz presente em diversas atividades. A tendência é se agravar com a generalização da 5G e demais inovações tecnológicas. A remuneração variável e o assédio moral foram impondo uma situação na qual a jornada do trabalhador se estende para além de seu ambiente de trabalho, seja presencial ou home office.

Há, além disso uma cobrança para que o trabalhador ou trabalhadora esteja o tempo todo em estado de prontidão, preparado para atender e trabalhar pois atingir as metas estabelecidas é relevante, não apenas para compor uma melhor remuneração, mas também para assegurar o trabalho e a posição nele alcançada.

Por esse motivo tem crescido no mundo a luta pela semana de trabalho reduzida, para 4 ou 5 dias. Mas, aqui no Brasil, o que se verifica é a expansão da jornada semanal para sábados e domingos, por vezes via banco de horas. A crescente contratação precária, a remuneração atrelada a metas de produção e o assédio moral têm estado no centro dos processos que têm levado à extensão da jornada, nem sempre remuneradas, e à intensificação do ritmo de trabalho.

Portanto, a regulação e a redução da jornada na legislação, em acordos e convenções coletivas devem visar a preservação da saúde e segurança, serem benéficas para as relações familiares, favorecerem a igualdade de gênero; elevarem a produtividade; e possibilitar aos trabalhadores e trabalhadoras relativo protagonismo na definição de suas jornadas. Trata-se de uma luta que deve ser articulada mundialmente, considerando as especificidades e circunstâncias de cada país e cada região e ramo de atividades. Isso requer muita luta e diálogo social.

* Luiz Antônio Alves de Azevedo é mestre em Sociologia Política. Foi dirigente sindical e deputado estadual. Sócio da Veredas Inteligência Estratégica. Autor do livro Sindicalismo sob ataque e Reforma Sindical.

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